terça-feira, 2 de março de 2010

PB na Nigéria: da política à teoria


A África, explorada pelos europeuscentenas de anos, foi efetivamente ocupada somente em fins do século XIX, quando a maioria dos países americanos, e do restante do terceiro mundo, exibiam o estatuto de nações independentes. Essa colonização “tardia”, e o modo particularmente perverso como foi conduzida, além de afetar o desenvolvimento africano, deixou marcas particulares no contexto lingüístico. Se nas Américas grande parte das línguas indígenas foi exterminada junto com seus falantes, a África manteve um mapa lingüístico próximo à da condição pré-colonial, em que a virtual ausência de estados nacionais (mas coesão lingüística e cultural entre povos afins, ouetnias”) propiciou a sobrevivência da diversidade lingüística. É claro, após a “partilha da África” pelos europeus, impuseram-se as línguas dominantes na história colonial africana, mas sempre como segunda língua para os africanos, que deviam aprendê-la na escola ou nos contatos comerciais ou servis com os colonizadores. A língua materna de estoque africano mantinha-se, e ainda se mantém, para a maioria da população do continente (Ajiboye, 2005).

A questão da língua estrangeira na África deve, portanto, observar esse panorama lingüístico, com três aspectos principais: a permanência das línguas indígenas como línguas maternas (nem sempre coincidentes com os estados nacionais criados na colonização); a imposição da língua do colonizador como língua oficial, criando uma forte demarcação entre segunda língua (oficial, mas não materna) e língua estrangeira (nem oficial nem materna); as necessidades e motivações políticas e econômicas em um processo recente de independência, como a aproximação com nações economicamente fortes e as relações comerciais entre vizinhos que possuem suas próprias línguas oficiais não-maternas. A presença da língua oficial ao lado de múltiplas línguas em cada estado nacional cria situações de multilingüismo (mais de uma língua falada dentro de uma comunidade de fala), diglossia (duas línguas ou variantes da língua usada em situações específicas na comunidade) e code-swicthing, a alternância entre línguas ou variantes em uma mesma situação conversacional. No entanto, as políticas lingüísticas são planejadas e implantadas pelo estado nacional, e, não, pelas comunidades de fala, muitas vezes em prejuízo de algumas delas.

A Nigéria é um belo exemplo das caracterizações acima. A língua oficial é o inglês, mas as línguas nacionais contam-se às centenas - 510 línguas vivas, segundo o catálogo lingüístico Ethnologue (Lewis, 2009) -, algumas com o número de falantes na casa dos milhões. As três mais faladas (hausa, iorubá e igbo) têm estatuto privilegiado de “co-oficiais”, sendo ensinadas como segunda língua no sistema nacional de educação. Situada no oeste africano, a Nigéria tem ainda outras particularidades, como a histórica influência islâmica, a vizinhança de países de língua oficial francesa, e vizinhos que compartilham algumas de suas línguas maternas (por exemplo: hausa e kanuri em Níger; iorubá em Togo e Benin; igbo na Guiné Equatorial e nos Camarões). Assim, línguas como o árabe, o francês e as línguas maternas partilhadas transformam-se em modos de comunicar largamente disseminados, ou “segundas línguas”, de importância regional. O francês é ensinado regularmente nas escolas nigerianas, e o árabe, nas escolas corânicas, bastante comuns nesse país altamente islamizado.

É no contexto desse emaranhado de línguas maternas, segundas línguas e línguas oficiais que devemos observar o ensino de língua estrangeira na Nigéria, e o ensino de PB em particular. Na verdade, o português não é uma simples língua estrangeira na Nigéria, por vários fatores. Primeiro, o português faz parte daquelas línguas européias que tiveram um importante (e triste) papel na colonização da África como um todo, sendo hoje língua oficial em seis países daquele continente (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe). Ainda, Portugal vinha agindo na África desde o século XV, e o português utilizado como língua franca nos locais de comércio com cidades e reinos africanos. Lagos, capital nigeriana até os anos 90, foi um entreposto comercial português até a chegada dos ingleses na região. Finalmente, a fase mais tardia do tráfico de escravos, meados do século XIX, levou milhares de iorubás para países como Cuba e o Brasil. Após o fim oficial da escravidão, muitos ex-escravos voltaram para a atual Nigéria, estabelecendo núcleos de falantes de PB na região iorubá. Ou seja, há uma forte ligação histórica da Nigéria não apenas com a língua portuguesa, mas com o próprio PB, apesar de hoje a situação ser bem diversa


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