quarta-feira, 14 de abril de 2010

linguagem sem deuses na poética suiá

Copiando receita que vi no blog de George Cardoso - http://oarmengue.blogspot.com/2008/08/flores-da-fala-poetica-suia.html - transcrevo aqui o mesmo belo trecho do Oriki orixá, de Antônio Risério (Perspectiva, 1996). Saudável pra linguistas, antropólogos, biólogos, índios e quem mais quiser ou puder.

Poética suiá
Antônio Risério

“Contrariando a tribo dos antropólogos, os (índios) suiás escolheram, para efeitos de comparação intergrupal, os ornamentos e o canto. Os discos coloridos usados nas orelhas e nos lábios apontam para a relevância que esses índios dão ao ouvir e ao falar, como faculdades sociais por excelência. O ouvido recebe e retém os códigos tribais. E, para além do silêncio, também socialmente importante, há duas espécies de fala: o sermo quotidianus e a oratória, plaza speech, que é o discurso masculino na praça da aldeia, com seu ritmo especial, seu estilo recitativo, seu conjunto de fórmulas. (…) Mas o ponto culminante da oralidade suiá, individual e coletivamente, está no canto. Na palavra-canto. E que se frise o fato de que a música suiá não envolve instrumentos musicais. É exclusivamente vocal. A palavra desenha plena o seu espaço. Palavra pairando solitária na antemanhã, ou estridulando na cacofonia das canções que atravessam a noite. Mas há mais (…) os suiás não têm deuses nem mito de criação - e ignoram seus ancestrais (fabricam uma fascinante espécie de história espacial, onde as peripécias tribais são marcadas pelos lugares em que ocorreram e não pelos heróis que dela participaram). Não tenho notícia de nada igual em qualquer outra parte do mundo. E assim somos conduzidos à estranha e inesperada conclusão de que pode haver um povo sem deuses, mas não um povo sem poesia.”

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